
★★★★☆
4/5
Em entrevista para a Rolling Stone datada de 1975, o lendário duo alemão Kraftwerk preferiu não se caracterizar como uma banda, e sim como um conceito intitulado Die Menschmaschine, ou “a máquina humana”. Na mesma entrevista, Ralf Hütter enxergava a sua abordagem seminal em sintetizadores como uma execução similar a de diretores de cinema: “Como um roteiro de cinema, a nossa câmera põe atenção num determinado plano, e aplicamos zoom como se estivéssemos manuseando uma enorme lente”. Dentro de seus experimentos vanguardistas, os alemães enxergavam o dispositivo eletrônico como um meio para tornar seus conceitos ainda mais vívidos, onde cada aspecto artificial ou maquinário servirá como alicerce para o futuro que o Kraftwerk ajudou a pavimentar.
No contexto do século XXI, as máquinas passaram de ferramentas auxiliares para personificações do ser num universo a par de nossa realidade. A velocidade de informações e a facilidade de conexão tornaram a tecnologia uma entidade capaz de modificar realidades, regurgitar conteúdos auto-generados e derrubar regimes políticos. Ninajirachi faz parte da primeira geração em que as telas são apêndices de nossa existência, e ela reconhece que nessa relação existe uma intimidade bem singular:
I wanna fuck my computer
'Cause no one in the world knows me better
It says my name, it says, "Nina"
And no one in the world does it better
I Love My Computer, seu primeiro álbum de estúdio lançado pelo selo australiano NLV Records, se guia a partir desse cenário possibilitador que o mundo conectado nos oferece. - Anythin' is possible with fingers, eyes, a mouse and a screen. - Citando como influências para sua música natureza, fantasia, ficção científica, ideias de ocultismo e magia, a artista constrói um álbum conceitual para explorar a sua relação com o dispositivo e com a sua história com a música eletrônica, Ninajirachi pinta um quadro construído a partir de explosões EDM numa retrospectiva pungente e pessoal, o que cria um contraste bem interessante frente a intimidade desenhada pelas letras.
A tríade “London Song”, “iPod Touch” e “Fuck My Computer” desenha logo de cara uma sinfonia eletrônica explosiva, climática e completamente imersa aos prazeres do house e seu casamento com o pop eletrônico. Para Nina, seu computador é seu professor (pois a incentiva a criar suas próprias composições), é seu amigo e por fim o seu amante. A personalização extrema de seu dispositivo se destaca além de ser a sua própria identidade virtual e passa a ser a intimidade mais profunda que ela pode desejar a si mesma. Essa alienação produz êxtases traduzidos em drops intensos e uma euforia tão sentida que é impossível não se envolver até por identificação. Afinal, estamos vivendo a mesma era que Nina. O que nos garante que nossa relação com nossos celulares e computadores não chegou nesse nível?
Progredindo de acordo com a relação simbiótica da artista com os seus dispositivos, o álbum quebra essa romantização em músicas como “Delete”, que relata a exposição da própria artista em suas redes sociais com base na sua obsessão por uma pessoa específica. Sem nunca deixar os arranjos EDM e os vocais sintetizados de lado, Nina parte para uma descrição vívida de experiências negativas no mundo online, o que atinge seu ápice em “Infohazard”, um épico trance baseado na sua experiência ao entrar em contato com um filme snuff aos 14 anos de idade. A música funciona como o centerpiece do álbum e é sem dúvida nenhuma é o seu momento mais catártico. Nina amplifica a sensação aterrorizante do filme no refrão “in my dream // on the screen” modulados num trance intenso onde o ritmo das batidas perseguem suas próprias palavras numa execução bem claustrofóbica, digna dos melhores momentos de Yasutaka Nakata (Perfume, Capsule, Kyary Pamyu Pamyu) como um trem sem freio pronto para colapsar na pista. A música, além de ser incrível, rendeu um clipe sensacional.
I Love My Computer é uma reflexão profunda da relação intimista com nossos avatares virtuais, e um convite para uma intimidade que Ninajirachi sabe bem que é universal e compartilhada.
Selo: NLV
Formato: LP
Gênero: Eletrônica / Electro House, Electropop, Bubblegum Bass
Selo: NLV
Formato: LP
Gênero: Eletrônica / Electro House, Electropop, Bubblegum Bass