Crítica | Through the Wall


★★★★★
5/5

Poucas músicas dessa década são tão imperativas quanto “Love You Good”, música que abre o álbum anterior de Rochelle Jordan, Play With the Changes. O beat drum ‘n’ bass busca emergir frente a um arranjo ambiente em paralelo com os vocais suaves da artista até ser posto em evidência e se impor completamente, sendo a força-motriz da canção. A artista, em entrevista para o portal Ones to Watch, reagiu: “Eu estava empolgada em misturar gêneros e estabelecer a ponte entre a música dance e o R&B, e a resposta que eu recebi ao álbum definitivamente me fez querer seguir em frente, mas não de uma forma idêntica”. Dessa necessidade de permanecer fiel às suas raízes, Through the Wall é revelado para o mundo como uma evolução convincente do seu último álbum, numa das demonstrações mais fortes de R&B eletrônico dos últimos anos.

Com um time forte de produtores (KLSH e Machinedrum, seus parceiros de longa data e KAYTRANADA, em reciprocidade com participações da artista em seu trabalho solo), Through the Wall progride as explorações entre música eletrônica e R&B feita por artistas como Kelela (Take Me Apart, Raven), Tinashe (BB/ANG3L), Jessie Ware (What’s Your Pleasure?) e Beyoncé (RENAISSANCE). O resultado então, parte desse campo comum, que é modulado de uma maneira bem inteligente por Jordan.

A ambientação cinematográfica do seu terceiro álbum de estúdio é o fator que sobressai logo de cara. As músicas são expansivas e hipnóticas, e a relação aqui é visando a cantora como primeiro plano, mas que na verdade funciona mais como uma relação íntima entre material e intérprete. A imposição descrita no primeiro parágrafo se faz presente, mas de uma maneira bem mais sedutora. Dentro de um contexto pop, Rochelle Jordan triunfa em fazer uma junção entre seus versos e refrões pegajosos junto de uma abordagem mais pura de house, R&B e uk garage permitindo assim uma maior liberdade para as produções seguirem seu ritmo hipnótico, onde a interação com os vocais potencializa-as.

A personalidade marcante da artista se faz presente muitas vezes nessa relação simbiótica de seus vocais com as diferentes vertentes da música eletrônica trabalhadas aqui. Em “Ladida” (difícil não lembrar do clássico de Crystal Waters, Gypsy Woman) a artista desliza num rap que reconhece o seu passado enquanto glorifica o seu momento presente. Tudo isso entre a produção house raíz de KLSH, reminiscente dos melhores momentos de Frankie Knuckles. De “Ladida” até “Never Enough”, o álbum progride como se fosse um set garage house clássico, e é muito difícil não imergir no universo clubber desenvolvido por Rochelle Jordan. Em Through the Wall, as músicas parecem estar sempre à procura desse pico constante, onde Jordan entra como o catalisador para chegarmos a esse destino. Neste álbum, Rochelle Jordan está análoga ao que Janet Jackson construiu em seu álbum Janet (1993), uma camaleoa capaz de pular em qualquer produção de modo a transformar e potencializar diferentes ideias como algo próprio, construindo um universo climático em volta de sua própria persona.

E assim como Janet, Rochelle triunfa quando começa a traçar diferentes abordagens dentro do template do R&B. Músicas como “Words 2 Say” e “Bite the Bait” são exemplos de como esse trabalho de irmandade entre os vocais suaves de Rochelle e as variadas ideias de KLSH e Machinedrum criam um resultado que glorifica tanto esse viés mais exploratório da música eletrônica quanto o R&B noventista e da virada do século. “Words 2 Say” surge de uma produção bem future garage/footwork para finalizar com um drum ‘n’ bass bem sutil, enquanto “Bite the Bait”, um dos grandes destaques do álbum, investe num mix de texturas atmosféricas à la Kelela, enquanto os arranjos rítmicos de Jimmy Edgar progridem num crescendo até a canção implodir num drop atmosférico onde os holofotes saem da cantora e se voltam para a composição, no que pra mim, é um dos grandes momentos musicais de 2025.

“TTW” e “Crave” marcam o retorno do álbum a territórios house. A atmosfera é intimista. Ambas singles, Rochelle parece olhar para trás e celebrar Larry Levan, Frankie Knuckles e Cheryl Waters. “I need you to touch it, touch it, touch it, go / We crave the feeling”. Sem nunca se dissociar do hedonismo tão marcante no gênero, Rochelle Jordan compreende que a intimidade é necessária para que seja atingido o cume do desejo, seja pelo toque do outro ou pelo clímax atingido pela pulsação do baixo em conjunto com os beats pulsantes.

Clímax esse que é atingido na seção final do álbum, com o trio “Close 2 Me”, “I’m Your Muse” e “Around”. “Close 2 Me” leva o disco que até então estava bem cadenciado num ritmo mais pesado. A abordagem clássica da música house é substituída por um olhar mais pra frente. O desejo por intimidade atinge seu zênite, e a música tenta acompanhar essa necessidade. “I’m Your Muse” diminui a cadência e aposta numa paleta hipnótica desenhada por Machinedrum e KLSH, onde partimos de um deep house cadenciado pelos vocais suaves de Jordan até chegar a sua inevitável desconstrução para um dub techno. “I'll be all around, all around, all around, all around”, canta a artista, como se soubesse a impossibilidade de se afastar desse universo prazeroso desenhado em torno dessas 17 músicas.

Through the Wall apresenta-se para o mundo como um projeto marcante, que brinca com os limites da música dance com o R&B sem nunca perder força. Em um ano onde acompanhamos o lançamento de Lifetime, The Passionate Ones, Baby e Essex Honey, é difícil não pensar que estamos testemunhando um ano emblemático para o gênero.

Selo: Empire
Formato: LP
Gênero: Pop / Deep House, R&B Alternativo
João Pedro Leopoldino

Interessado principalmente em música, filme e literatura. Sou graduado em Administração e natural de Fortaleza/CE. Além do aquele tuím, escrevo no meu substack pessoal chamado "falando em línguas".

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