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| Foto por @foto_grafista e figurino por @streetapparelbrand |
Trocamos uma ideia com Ruas MC sobre o novo álbum, a versatilidade do som e o corre de fazer música fora da capital.
Uma quarta-feira à noite, em pleno dia útil, não é exatamente quando se espera um dos eventos mais animados do mês. Mesmo antes de abrir as portas do Brasuca – casa de show em Barão Geraldo, distrito de Campinas – já se viam pessoas em frente ao estabelecimento e no ponto de ônibus do outro lado da avenida. Quando Matheus, vulgo Ruas MC, aparece pela porta para cumprimentar seus conhecidos, vários sorrisos aparecem, e o grupo no ponto de ônibus atravessa a avenida para ver o artista de perto e trocar algumas palavras. A ansiedade do público, ainda tímido, é perceptível: jovens falando rapidamente em tom baixo, alguns tomando coragem para cumprimentar o rapper. Em meio a tudo isso, Ruas transita calmo e contido. É o evento de audição de seu novo álbum, a ser lançado dali a dois dias, Alma de Protagonista.
Conversamos com Ruas no camarim que fica nos fundos do bar. Entre brincadeiras sobre vida de CLT, home office, celulares sem bateria e o santo Carlo Acutis, Ruas disse que estava bem animado com o evento da noite, mas não chegava a ser uma ansiedade. Desde seu primeiro projeto, Sonhos de Vitrine, o rapper de Hortolândia fez trabalhos colaborativos explorando uma sonoridade mais eletrônica com “Picaretas de Fachada” e “No Embalo de uma Sexta-Noite”. O álbum novo traz de volta a versatilidade de gêneros que caracterizou a estréia do rapper, assim como o orgulho de ser um artista da “019” (DDD da Região Metropolitana de Campinas).
Para o Aquele Tuim, Ruas falou sobre o conceito do álbum, suas explorações sonoras e as relações entre o rap e o funk na cena musical de Campinas e região.
Você disse numa entrevista que queria que Sonhos de Vitrine fosse como um cartão de visita para você se apresentar pras pessoas, e que a cada lançamento novo seu público vem crescendo. Pra quem ainda não te conhece: quem é o Ruas MC? Como você se define como artista dentro da cena atual?
Eu acho que, para quem não me conhece, o Ruas é um artista aí da 019. Nasci e cresci no bairro Nova Esperança, passei grande parte da minha vida ali, em Nova Esperança, Calegari. Já faço rap há uns oito anos e não só rap, né? Nos últimos meses, música eletrônica também, com rap, essa mistura aí. E acho que o artista que eu sou para as pessoas é o artista que se propõe a testar sempre coisas novas. Acho que isso sempre foi algo que eu achei legal e sempre gostei de fazer coisas diferentes. Não inovar, criar um bagulho novo, ser pioneiro de algo. Nunca quis muito esse posto, mas eu sempre quis me propor a fazer coisas novas, sabe? Fiz um tempo ali com música eletrônica com rap. Agora a gente volta de novo para um álbum como Sonhos de Vitrine, um álbum de rap com vários elementos diferentes, vários gêneros, vários flows, várias rimas. Então, acho que para quem não me conhece, é isso que eles podem esperar de mim: um artista que sempre testa coisas novas, que gosta de fazer coisas novas. Acho que sempre me definiu muito, essa versatilidade.
Desde seus primeiros trabalhos você já mostrava versatilidade em estilos musicais — agora, em Alma de Protagonista, aparecem singles com influências de ragga, dancehall e jazz. De que forma esse projeto expande sua sonoridade e o que o público pode esperar desse novo álbum?
Eu acho que esse álbum é como se fosse um recomeço, entre aspas. Porque eu acho que Sonhos de Vitrine tem muito esse apelo, só que com coisas que a gente ouvia naquele momento. Tipo, tem drill, tem boom bap, tem trap, tem Afrobeat. Eu acho que é como se a gente trouxesse isso de novo para um momento diferente na minha carreira, agora que eu tenho mais alcance, tem mais pessoas me ouvindo. Eu acho que o que o público pode esperar desse projeto é isso. São coisas diferentes do que eles estão habituados a ouvir. Quem me conhece de Embalos 2, Embalos 1, vai ouvir agora e vai se chocar de certa forma. Vai entender que é algo diferente que eu tô propondo novamente. Mas, pra mim, é como se fossem coisas que eu já fazia há 5 anos atrás. Meio que só trazendo de volta isso agora, nesse momento. Eu acho que é importante, também, o público entender que eu faço outras coisas. Que eu não faço só música eletrônica. Não quero estar nessa caixa, sabe? Eu quero ver que o público entenda que eu faço rap, boom bap, trap, afrobeat, dancehall.
O título Alma de Protagonista chama atenção. Como surgiu esse nome e o que ele representa dentro do momento que você está vivendo artisticamente?
O projeto, a ideia do nome, surgiu no momento que eu estava muito na pira de entender o meu espaço, entender a pessoa que eu sou. “Alma de protagonista” é, em alguns momentos, como se fosse o backstage da mente do artista. Você está sempre ali, num foco, numa tela, mas o que você está pensando? O que você é? O que você gosta de fazer? E na ideia de que, mesmo que você saia daquele set de gravação, porque eu curto muito esse paralelo com o cinema, você continua sendo um protagonista, só que da sua vida pessoal, da sua vida familiar. Você não consegue fugir disso, porque isso está na sua alma, no seu interior. A ideia do nome vem disso: de você não conseguir fugir daquilo que você é. Eu acho que é até uma ideia de como a arte trata também o artista ou quem se envolve com isso. Você não consegue fugir daquilo. Você, que é um artista, vai ser sempre um artista. Mesmo que você seja um CLT, que você trabalhe com outras coisas, você continua sendo um artista. Eu acho que o protagonismo vem disso.
A região de Campinas tem uma relação muito estreita com o rap e uma cena de funk em ascensão. Como você vê essa troca entre as duas cenas e de que forma seu trabalho ajuda a dar uma identidade para esse som feito fora da capital?
Eu acho que a gente vive um momento, hoje, muito importante para a 019, falando de modo geral. Muito por conta disso, principalmente quando a gente vê a crescente do funk de certa forma aqui na região. E é impossível não citar a Submundo, nossos parceiros, também. Eu acho que isso ajuda pra todo um ecossistema funcionar. Eu acho que, hoje, a gente tem uma comunidade, aqui, mais forte. A gente não tem essa necessidade de sair daqui pra ir pra capital, mais. Eu acho que a ideia que eu tenho contribuído é essa imagem. Eu sou um artista daqui, eu não sou um artista da capital. Eu não sou um artista da 019 que foi pra capital, com todo respeito a todo mundo que fez isso, porque cada um sabe o movimento que quer fazer, cada um trabalha da forma que acha que faz sentido. Não acho que é certo ou errado, só acho que pra mim faz mais sentido ser um artista daqui e fazer meu som chegar lá. Eu até cito em “Chego no Baile” que é “ir pra capital e voltar com o malote pra cá”, porque eu acho isso louco, mano. Porque eu penso muito também na influência que a gente trás pras outras pessoas, pros outros artistas. Saiu o anúncio do [festival] Cena essa semana, que a gente vai estar aí, graças à Deus. E vários artistas daqui falaram assim: “Porra, isso é muito foda! Mostra pra gente que isso é muito possível”. Eu acho que nunca quis me propor essa aparência de ser uma referência, um ícone ou algo do tipo. Nunca quis passar essa imagem ou assumir isso publicamente. Mas isso acaba acontecendo por conta do trabalho, a forma que as coisas vão acontecendo, vão evoluindo. Então eu acho que isso é louco pra gente visualizar que, na nossa área, a gente consegue fazer isso também. A Submundo hoje é algo nacional, tá ligado? Pra não falar internacional. Agora a gente viu várias fita em Portugal. Os moleques estão indo tocar direto na Europa, agora. Eu acho que essa relação do funk com o rap faz com que todo um ecossistema comece a funcionar. E não só na música, né? A gente pensa em audiovisual, pensa também na dança. Cito mesmo Djoker e Maguin, que a gente já conhece há muito tempo. Os moleques são monstro, mano. Os moleques são muito conhecidos por isso já, também. Eu acho que as coisas meio que caminham juntas. Essa cultura, ela caminha junto e faz com que todo mundo que é daqui entenda que a gente consegue fazer os bagulho acontecer aqui, e não precisa estar lá, tá ligado? Não precisa estar em São Paulo todo dia, mano. Preciso estar lá para um evento, mostrar a cara ali, dar um sorriso e tal. Mas entender que eu sou um artista daqui e todo mundo que se propõe a fazer as coisas daqui meio que também tem essa imagem, tem essa identidade da parada.
Se esse álbum fosse uma conversa sua com quem vai ouvir, qual seria a ideia central que você quer passar?
Acho que seria a ideia de “você não consegue fugir de quem você é”, tá ligado? É muito aquela ideia – não clichê, mas antiga – que o próprio Emicida fala “você é o protagonista do seu sonho” e tal. Você é o protagonista de tudo, tá ligado? Não é só do seu sonho, é de tudo na sua vida. Você é a peça central. É você quem tem que fazer os bagulho. É você quem assume essa responsabilidade. Você que assume as consequência e é isso. E você não consegue fugir daquilo. É o seu íntimo, mesmo. Acho que é essa parada. Se eu tivesse falando pra alguém aqui, agora, seria isso tipo assim. Você é isso, mano. Você não consegue fugir disso. Se você quer, se tem um sonho, você não vai conseguir fugir desse sonho mesmo que você tente. E se você tentar, você vai viver com aquilo pra sempre, tá ligado? Então acho que a ideia é essa: não dá pra você fugir de quem você é, mesmo, e já era. É correr atrás do bagulho, mesmo.
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