Crítica | Mateus Aleluia


★★★★☆
4/5

Após um silêncio de cinco anos, Mateus Aleluia reaparece não como um artista que retorna, mas como um guia que nos conduz por um território ancestral, meticulosamente construído em seis faixas. Cada canção funciona como um segmento narrativo autônomo, uma cerimônia particular, unida por transições orquestrais que sustentam e aprofundam a tensão emocional do trabalho. Não há sobressaltos ou rupturas, apenas um propósito claro de criar um espaço sonoro contínuo, onde o ouvinte é convidado a abandonar o tempo cronológico e a ingressar no tempo do rito.

O ponto crucial do álbum reside na síntese perfeita entre a experiência pessoal e a vasta herança cultural que ele carrega. Longe de qualquer clichê, Aleluia derrama suas lembranças em melodias de uma clareza cristalina, onde cada acorde parece brotar da própria terra que o formou. As orquestrações do trabalho são uma lição de reverência: elas não se impõem, antes escorrem pelo disco como água, revelando sutilezas harmônicas e ampliando os sentidos das palavras sem jamais ofuscar o cerne da obra — a voz de um homem que, em sua jornada, aprendeu a ouvir e a traduzir em som o seu próprio batimento interno.

O amor, tema central, é aqui traduzido em reverência ao passado e em uma improrrogável urgência de expressão. Se em “No Amor Não Mando” ele se entrega ao fluxo incontrolável dos afetos, aceitando sua soberania, em “Pantera Negra” essa mesma energia é transmutada, convocando a luta e a consciência racial como uma extensão necessária da paixão pela vida e pela própria gente. Não há espaço para sentimentalismo vazio; o que existe é uma chama constante que se acende em versos curtos, diretos e potentes, com cada palavra sendo escolhida a dedo para fermentar imagens vivas na mente de quem escuta.

A paisagem instrumental privilegia as texturas naturais e orgânicas, evitando firulas para oferecer respiro e profundidade, se juntando a língua portuguesa, usada sem um pingo de adereço, que revela uma densidade sem qualquer ostentação, provando que o maior domínio reside em carregar poucas sílabas com uma imensidão de significado. Mateus Aleluia não exige atenção; ele a conquista ao evocar memórias coletivas, convocar a emoção pura e, sobretudo, ao convidar quem ouve a mergulhar, sem pressa alguma, na corrente sonora que somente um mestre como ele sabe navegar.

Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Música Brasileira

Antonio Rivers

Me chamo Antonio Rivers, graduando em História, amazonense nascido em 2006. Faço parte do Aquele Tuim, nas curadorias de Experimental, Eletrônica, R&B e Soul.

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