Crítica | MUCHO SEXY


★★★★☆
4/5

Antes mesmo de BRAT, de Charli xcx, se tornar um símbolo global da cultura club adaptada a um contexto mainstream – um "novo" espaço que descentraliza a predominância cisheterossexual do público que ocupa essas pistas –, artistas como Teto Preto já se consolidavam como responsáveis por essa visão ideológica do club, principalmente ao se apropriar de sonoridades da música eletrônica e dar a elas novas perspectivas. Outro nome emergente nesse sentido é Mia Badgyal. A multiartista não apenas cria novos diálogos com esses recursos, como também expande seu repertório por meio da moda, condensando tudo em um posicionamento direto e incisivo.

Em seu novo álbum, MUCHO SEXY, Mia escancara essa proposta: o club, a ressignificação e os comportamentos advindos do caldeirão cultural que molda a vida noturna, essencialmente no Brasil e, mais especificamente, em São Paulo. Visto de fora, pode não parecer um álbum de grande potência, mas sua força está justamente em traduzir o que ecoa na noite, nessa realidade e nesse contexto – sua exatidão se expande melhor para quem o vê de dentro. Aqui, o apelo ao hedonismo como grito de liberdade dispensa categorizações. “Esse álbum é minha fase mais livre até agora. Ele representa autoconfiança, prazer, desejo e poder. Sinto que esse novo disco mostra minha evolução como artista, compositora e vocalista”, afirma Mia.

Para condensar os aspectos mais difusos das festas underground, Mia reúne uma variedade de ritmos latinos – do reggaeton ao funk – sempre ancorados em batidas eletrônicas que guiam a produção. O trabalho foi co-produzido por FUSO! e conta ainda com nomes como Carlos do Complexo, Cyberkills, CARLO, DJ Ramemes, DJ G2G, Baby Plus Size, BBYNITO, Felino e Clementaum e Umru (produtor de Charli xcx) na produção de algumas faixas. Essa soma de forças potencializa o disco, mas são os momentos específicos que revelam seu verdadeiro potencial destrutivo, como um liquidificador de tudo aquilo que vem ecoando na conjuntura de subculturas exploradas além das estruturas dominadas pelos artistas hegemônicos do norte global.

Em “GIVE 2 ME”, por exemplo, versos clamados com rapidez se fundem ao absurdo estético de uma produção percussiva que mescla raízes do funk com a pulsação do pop eletrônico de Mia. A mistura de inglês, espanhol e português reforça a identidade multilíngue e multicultural desses espaços que ela pretende ocupar. O ponto alto, porém, é, sem dúvidas, “GASOLINA”, com participação das Irmãs de Pau e produção de DJ Ramemes. A faixa recompõe o clássico de Daddy Yankee numa leitura autoral de Mia, costurada por DJ tags em estilo de colagem épica e expandida pela potência lírica das Irmãs de Pau – é um conjunto inteligente de composição lírica e musical que beira o kafkiano.

A sequência, “ENVOLVIDOS”, mantém o fôlego e reafirma a proposta: música eletrônica latina, experimentalismo rítmico e estruturas pop com o tempero irreverente de Mia. É um momento novo, um instante singular, fazendo com que MUCHO SEXY se aproxime de um disco-manifesto da noite em forma de som. Ele absorve a estética do club, ressignifica tradições, traduz linguagens e, sobretudo, reafirma que o futuro da música pop e eletrônica passa por São Paulo, pelo olhar atento de Mia Badgyal.

Selo: MARANI MGMT
Formato: LP
Gênero: Pop / Eletrônica

Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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