
Produtores deram detalhes ao Aquele Tuim sobre futuros projetos, relação com Pabllo Vittar e as Irmãs de Pau e o espaço que ocupam na cena da música eletrônica.
Formado pelo paraibano Gabriel Diniz e o paulista Rodrigo Oliveira, o duo Cyberkills tem expandido a percepção sobre o potencial da música eletrônica no Brasil. Com cerca de cinco anos em atividade, os dois garantiram seu espaço como produtores queridinhos de grandes artistas LGBTQIA+ do cenário nacional, como Pabllo Vittar, Linn da Quebrada, Jup do Bairro e Gloria Groove.
Com quase 200 mil ouvintes mensais no Spotify, a dupla fez da mistura do funk com diferentes gêneros da música eletrônica sua marca registrada. Em conversa com o Aquele Tuim, Gabriel e Rodrigo comentaram sobre as características próprias de suas produções e refletiram sobre como são recebidos na cena. Para eles, a dificuldade de caracterizar o som do duo é seu maior triunfo, mas também sua principal limitação comercial.
O último lançamento, “Sunga Linda”, é o primeiro single da mixtape Dedo no Cue, feito em parceria com Bia Soull, a voz de “Pompoarismo”, do DJ Mu540. Inicialmente, a faixa foi idealizada para fazer parte do futuro álbum de estúdio do Cyberkills, mas acabou concentrando grande parte das ideias dos produtores para a mixtape. “É meio que uma mistura do que a gente tá fazendo nessa mixtape e talvez o que a gente queira fazer no nosso álbum”, afirma Rodrigo.
“Essa música com a Bia tem uma pitada de uma música eletrônica um pouco mais 4x4. Aquele beat mais de house, electrohouse, aí tem a ritmada, tem aquele agressivo lá no final. É uma grande mistura que eu acho que sintetiza bastante tudo que a gente tem feito”, explica Gabriel. Os produtores contam que adoraram trabalhar com Bia e consideram que ela se envolveu bastante com o projeto.
A dupla afirma que o projeto trará muitas referências da música latina, como guaracha e club latino, além dos ritmos eletrônicos. “Tem muitos elementos do funk, tem muitas vertentes misturadas”, revela Gabriel. “A gente tá chamando de mixtape porque não tem toda aquela amarração de um álbum. A gente resolveu se jogar bastante em várias coisas”, explica.
Cyberkills no beat, Irmãs de Pau no pique
O Cyberkills também produziu as duas faixas finais do álbum Gambiarra Chic, Pt. 2, das Irmãs de Pau, “PASSAPORTE Y COPÃO” e “QUEENS OF CUNTY”. As duplas já haviam feito algumas colaborações em projetos anteriores, mas, segundo Gabriel e Rodrigo, as novas músicas estão mais polidas e alinhadas com a mistura de diferentes gêneros pela qual os produtores são conhecidos.
“QUEENS OF CUNTY” foi uma das primeiras faixas a serem gravadas pelas cantoras para o projeto. “Elas queriam uma faixa bem classuda, e aí a gente fez uma demo. Tinha até piano de house e tudo mais. Só que a gente não tava conseguindo desenvolver a ponto de finalizar a track. Então ela ficou guardada por um bom tempo”, conta Gabriel. A inspiração para a faixa voltou após o produtor ouvir uma música de David Guetta com Nicki Minaj que ressoava com as ideias de Rodrigo para a produção.
Já a politizada “PASSAPORTE Y COPÃO” teve um processo mais simples e possui forte inspiração na produtora SOPHIE, grande referência para o Cyberkills. “Tem muitos elementos do que a SOPHIE fazia, misturado com um pouco de ritmada e ritmos latinos. Tá uma mistura bem legal”, diz Gabriel.
Rodrigo conta que a afinidade com as Irmãs de Pau surgiu com o convite para a produção da faixa “MEGATRON”, presente em Gambiarra Chic, Pt. 1. “A gente sempre teve vontade de trabalhar com elas, então foi uma oportunidade do caramba, depois a gente fez o remix [de “SHAMBARALAI”] também. E, nessa segunda parte, a gente queria experimentar mais”, diz.
Muitas pessoas perguntam como que a gente define o gênero das músicas, porque tem que mandar para as plataformas. E a gente fica, tipo… Não sei o que é isso. É Cyberkills. É o nosso gênero, a gente faz os nossos sons sem pensar muito numa coisa específica.
No entanto, ele evita associar a produção da dupla com a definição de experimentalismo. “Eu poderia dizer que é experimental, só que, ao mesmo tempo, eu sinto que o experimental tá numa coisa ainda muito fechada para ser definido como experimental, sabe? Então, realmente, eu não sei como definir as músicas”, diz.
Pabllo Vittar e o Gagacabana
Recentemente a dupla ecoou pela praia de Copacabana momentos antes de Lady Gaga subir ao palco para uma apresentação do espetáculo “The Art of Personal Chaos”, vista pessoalmente por cerca de 2,1 milhões de pessoas. A cantora Pabllo Vittar realizou um DJ set como segundo ato de abertura do evento e tocou o remix feito pelo Cyberkills para a faixa “Descontrolada”, presente no álbum AFTER.
Os dois não estavam presentes quando a faixa foi reproduzida e afirmam que é difícil acreditar que o momento realmente aconteceu ao assistirem aos vídeos da apresentação. “A Pabllo é muito foda. Ela sempre dá oportunidade para a gente. Tipo assim, o Rodrigo de 2012, jamais imaginaria que uma música minha ia tocar na abertura do show do Rio de Janeiro”, afirma Rodrigo.
A dupla revela que a ocasião foi ainda mais significativa pois está intimamente ligada à história de como a dupla começou. “Eu e o Gabriel nos conhecemos meio que por causa da Gaga, porque nós dois somos muito fãs e nos seguíamos no Twitter porque éramos fãs dela. E aí depois a gente virou amigo, virou produtor e começamos a trabalhar juntos”, conta Rodrigo.
O duo também comentou a escolha dos grupos Dubdogz e Cat Dealers para um b2b como o primeiro ato de abertura do show. A decisão foi criticada por parte dos espectadores, que considerou que os DJs não possuíam repertório e um trabalho de pesquisa para atender ao público LGBTQIA+, presente em massa no evento.
“Eu não sei se eu vejo como uma resistência. Eu acho que eu vejo mais como uma falta de tato. Eu não sei se é 100% que as pessoas não querem artistas da cena, é que elas não têm essa curadoria boa, de ir atrás de algo que converse com o público”, opina Gabriel. “Grandes eventos estão muito ligados a agências de DJs, de influencers. Então acaba que é aquela coisa da água só corre pro mar, né? Tipo assim, vai para quem já tá acontecendo”, afirma.
Foi uma falta de tato [da curadoria] ter colocado [Dubdogz e Cat Dealers] e eles terem achado que fizeram aquele grande mousse. Mas eu acho que a Pabllo é uma pessoa que estava ali para realmente exercer o papel que estava sendo proposto. Ela tocou músicas de amigos dela, tocou músicas do pessoal que tá na cena. Eu acho que não é só estar ali na frente, eu acho que você tem que carregar essa história junto com você.
A dupla também destaca que enxerga o caso como uma questão de curadoria do evento que deixou a desejar. “Não é uma crítica direta a eles, porque óbvio que eles também não têm culpa”, pontua Rodrigo. “Tipo assim, se eu recebo um convite para tocar no show da Lady Gaga, é óbvio que eu vou. Então o problema não são eles, são as pessoas que contrataram e não souberam fazer uma pesquisa certa para o público”, afirma.
O funk enquanto música eletrônica
Uma das tendências mais observadas na cena é a aproximação do funk como parte inerente da música eletrônica. Produtores como Mu540 e d.silvestre têm explorado a potencialidade dos sons eletrônicos em seus beats nos últimos lançamentos. Essa exploração, no entanto, não é novidade para o Cyberkills.
A característica mais marcante do estilo de produção do duo é a imersão de elementos do funk a uma estrutura puramente eletrônica. “Se você ouvir alguns trabalhos nossos, vai ter o funk, mas vai ter um sintetizador mais puxado para o trance”, conta Gabriel. Rodrigo, grande apreciador do próprio trance, defende o pertencimento do funk ao escopo da música eletrônica:
O funk sempre vai se reinventar. Tipo assim, não vai parar. Ele começou com poucos gêneros, e aí ao longo da história começou a ter mais subgêneros. Veio a bruxaria, por exemplo, que é uma coisa bem industrial. Acredito que vão vir cada vez mais subgêneros, não só na música eletrônica, mas em todos os gêneros. E eu tô feliz com isso, porque eu quero mais.
“Desde o começo, o funk era sobre experimentação. Era sobre pegar uma coisinha daqui, outra coisinha dali… E eu acredito que, claro, tá mais eletrônico, mas, na minha cabeça, sempre foi música eletrônica”, opina Gabriel. “Agora tá misturando com o que se diz música eletrônica mais clássica, como o house, o techno e tal. Então eu tô muito animado para ver quais vão ser as novas misturas.”
O espaço na cena para o Cyberkills
Com faixas que acumulam milhões de reproduções no Spotify e parcerias com grandes artistas do pop nacional, a dupla ainda sente que há uma limitação com relação ao espaço que ocupam em eventos culturais. “É impossível ser comercial. A gente tem vários ouvintes mensais no Spotify. Tem milhões de plays no streaming. E mesmo assim a gente não é chamado para esses grandes festivais”, avalia Rodrigo.
“Mas é porque a gente experimenta muito. Talvez se a gente fizesse o basicão, aí seria muito mais fácil. Só que a gente também não gosta desse lugar de básico, tipo… Não, eu não sou básico, eu escuto Arca”, brinca. Os dois avaliam que a restrição se dá, principalmente, pela mistura de gêneros em suas produções, que dificulta a seleção do projeto para curadorias específicas.
“É como se a gente não tivesse a nossa casinha de gênero para música. E a gente também não tem a nossa casinha de gênero para eventos. Acaba que evento X ou evento Y às vezes tem um certo receio de nos chamar porque não sabe o que esperar”, aponta Gabriel. Apesar disso, os dois garantem que possuem um amplo trabalho de pesquisa para compôr os sets das apresentações de acordo com o que é pedido. “A gente é muito eclético e tem uma visão de público muito importante: de você saber o que as pessoas querem ouvir, não só o que você quer tocar”, defende.
Gabriel relembra uma ocasião em que uma empresa contratou o Cyberkills para um evento interno, o que causou alterações no estilo de set típico da dupla. “Tinha a recomendação de evitar palavrões, evitar coisas explícitas. Então a gente já foi para um lugar da nossa pesquisa que evitava um pouco disso”, disse. Ele conta que, em determinado momento da festa, a animação contagiou o público e a dupla acabou tocando um pouco do material explícito.
Mesmo sem o reconhecimento de grandes contratantes, o Cyberkills já participou de momentos icônicos da cena noturna da cidade de São Paulo. Em junho do ano passado, a dupla fez parte do lineup da Zig Studio no dia em que Charli xcx subiu ao palco para fazer um DJ set em meio à divulgação do álbum BRAT. Na ocasião, os dois tiveram a chance de tocar um remix próprio da faixa “Guess” na presença da cantora. Um vídeo gravado atrás do palco mostra a reação da artista ao ouvir a produção feita pelo Cyberkills.
“Durante o set, dava para trocar umas palavras [com a Charli], mas eu acho que a gente trocou mais em energia, sabe? Pode parecer clichê e tal, mas sinto que ela se conectou bastante com o que tava acontecendo ali. Não só com a gente, mas com todo o público”, afirma Gabriel. Rodrigo chegou a acender um cigarro para Charli em meio ao set da artista, um momento que repercutiu nas redes sociais.
“Eu soube que ela treinou bastante para tocar. Ela pediu uma CDJ para ficar treinando no hotel. Ela tocou super direitinho e ela amou a energia do Brasil”, conta Gabriel. “A gente já tinha encontrado ela em 2022. E aí deu para falar um pouco mais. A gente inclusive falou: ‘Você deveria fazer um funk’. Aí ela: ‘Sim, tem que ser com vocês’. Nunca rolou nada. Mas quem sabe um dia acontece”, afirma.
Quando questionados sobre possíveis parcerias internacionais, a dupla revela que já houve algumas conversas, mas que não chegaram a se concretizar. “A gente já teve contato com a Allie X, Magdalena Bay, com a Aquaria, do Drag Race”, conta Gabriel. O duo ainda fez mistério com relação a uma futura parceria.
Gabriel: Tem uma que, logo antes dessa entrevista, antes de eu entrar nessa sala, me mandou as stems pra gente fazer um remix, mas eu ainda não posso falar.
Tobia: Eu sei que é a Sevdaliza, pode falar [risos].
Gabriel: Não, ainda não é a Sevdaliza [risos]. Mas é alguém bem legal que a gente tava ouvindo bastante. Vamos ver se vai dar bom.
O que toca no fone do Cyberkills
Quando questionados sobre suas inspirações e gostos pessoais, Gabriel e Rodrigo apresentam um repertório de música pop, eletrônica e funk que tem auxiliado o duo nas produções recentes. Eles também destacaram projetos que avaliaram com uma nota 5/5.
Gabriel: O meu 5/5 é o Batuk Freak, da Karol Conká. Eu acho que ela é uma dessas artistas que experimenta de tudo. E de fora, acho que o Pop 2 da Charli [xcx], que eu acho que é uma mixtape bem coesa. Ultimamente eu tenho ouvido muito trip-hop. Eu tô me inspirando muito e queria em algum momento produzir algo assim. Tenho ouvido muito Madonna, FKA Twigs, Erika de Casier e, claro, Lady Gaga. Eu sempre ouço Lady Gaga, Charli xcx e SOPHIE.
Rodrigo: Nossa, gente, é muito difícil. Eu sempre escuto muito trance. E hoje eu tô viciado num álbum do Hennes & Cold, Works. É muito foda, estou muito inspirado neles, porque eles têm um sound design surreal. E eu também estou fazendo umas coisas de funk para Splice, então eu estou ouvindo bastante o álbum do d.silvestre. Aquele álbum é tudo de referência para sound design, para criar timbres.