
4/5
É comum ver DJs e parte do público de funk reclamando, em consonância nos últimos meses, da suposta homogeneização do gênero, principalmente em sets ao vivo. Dizem que são as mesmas ideias, as mesmas batidas, as mesmas viradas, tocadas pelos mesmos artistas de sempre, e que quando surgem novos nomes, usam essa repetição por falta de repertório ou de ousadia em trazer sua própria marca. Engraçado notar isso, pois o público, a maioria que frequenta essas festas universitárias, também se homogeneizou. É uma implosão que os próprios DJs deveriam se questionar a razão. Vale a pena tentar algo fora das expectativas desse público?
Eu diria ainda que, mesmo quando há sinais de inovação nos lançamentos que antecedem esses sets, como a recente incursão de vertentes mais reconhecíveis da eletrônica no funk, a forma tem se reforçado como fórmula. E é por isso que RASGA! se destaca: o EP de LUCAS KID e Rxfx rompe com a norma, as similaridades, de misturar funk com música eletrônica formal. É um alívio, um respiro que rebobina o que se tinha criado em torno dessa abordagem até então. Sobretudo, o disco responde à pergunta se vale a pena lançar algo tão distante daquilo a que o público deste espaço se habituou a ouvir.
Primeiro, porque LUCAS KID e Rxfx estão longe de desconstruir o funk ou de fazer com que as suas investidas na música eletrônica pareçam um salto exagerado – ainda que haja aqui uma violência na construção das batidas que miram no conceito literal do termo ‘agressivo’ no Mandelão. Também não há um equilíbrio exato entre as explorações nestes caminhos entre funk e eletrônica, razão pela qual o EP se ajusta a momentos distintos sem ser invasivo ou descurar as marcas dos estilos que abraça. A faixa de abertura, “PENETRADA”, com MC Novin e MC Mary Maii, é o exemplo perfeito da fixidez com que o funk se mantém no projeto, mesmo quando perturbado, invadido e arrancado do seu estado natural por uma espécie de dub que assume contornos físicos como uma chuva de raios laser numa dimensão 3D repleta de espelhos, em que somos atingidos sem ter para onde fugir.
O EP trabalha brilhantemente com o desconforto de suas ideias. Embora saibamos que o funk faz parte da música eletrônica, também sabemos que ele tem suas próprias noções. Por isso, os MCs aqui apresentados cantam como se estivessem em uma faixa de funk comum, como tantas outras em que fazem parte, sem saber que suas vozes e rimas serão mescladas com breaks cortantes, caixas sintéticas afiadas e com uma profundidade ecoante, dispersas em tonalidades tão ásperas e ácidas quanto qualquer coisa de jersey feita no exterior, no contexto global e latino de eletrônica. E a música que imprime isso é “VAI TACANDO”, com MC Flavinho, que se comporta como um triturador dos pensamentos conjuntos de todos envolvidos em sua produção. Esse tipo de composição lida com uma ambiguidade, uma noção de som raramente vista em outros lugares. Parece que LUCAS KID e Rxfx estudaram a eletrônica que foi mesclada nos últimos tempos ao funk e buscaram fazer exatamente o oposto, embora compartilhem uma intenção semelhante. RASGA! não cai na armadilha fácil do house e do techno; muito pelo contrário.
Há, em cada faixa, uma reviravolta mais profunda do que o habitual, como se sua visão acadêmica das estruturas eletrônicas tradicionais, partindo de LUCAS KID, se tornassem evidentes a cada música. É por isso que a interação dele com Rxfx gira em torno de um experimentalismo de gênero que não vemos em álbuns que exploram temas semelhantes. Aqui, são ideias germinando, em uma incubadora cujos embriões nascem já sabendo o que são, para onde vão e o significado de sua criação. Esse tipo de pensamento criativo é o que falta em toda essa discussão sobre a homogeneização dos sets e do funk. É a resposta para muitas perguntas. Note-se que a melhor demonstração disso havia sido com d.silvestre em O Que as Mulheres Querem, disco coproduzido por LUCAS. E agora, é como se RASGA! fosse, em certa medida, o ápice do que se tenta no funk nesse sentido.
Selo: Tandera Records
Formato: EP
Gênero: Funk / Eletrônica