Crítica | The Life of a Showgirl


★☆☆☆☆
1/5

The Life of a Showgirl foi apresentado com um conceito que despertou curiosidade em muitos, marcado por um plano teatral e por visuais fortemente inspirados no cabaré. Além dessa atmosfera, o álbum pretendia explorar liricamente as nuances da vida de uma grande celebridade afetada pela exaustão de pertencer à indústria fonográfica. Taylor Swift comentou que esse projeto representa “tudo o que estava rolando atrás das cortinas” durante o período da The Eras Tour, quando vinha compondo as faixas. A fala parecia sinalizar aos fãs uma direção refrescante que em seu trabalho anterior, THE TORTURED POETS DEPARTMENT, se limitava a uma imitação ainda mais enfadonha do estilo consolidado em Midnights, um synthpop suave, marcado por sensibilidades alt-pop, mas que no disco de 2024 soava pouco criativo e preso a melodias monótonas. O retorno à parceria com Max Martin e Shellback – responsáveis por alguns dos melhores momentos de sua discografia, como Red e 1989 – também reforçou o entusiasmo do público diante dessa nova era.

É rapidamente evidente, ao escutar The Life of a Showgirl, que, embora apresente um conceito capaz de apontar para direções mais cativantes, limita-se a executar sua proposta apenas no plano lírico. Falha, contudo, em construir uma sonoridade que dialogue de forma consistente com as ideias apresentadas, um erro recorrente na obra de Taylor Swift, mas que aqui atinge um nível ainda mais acentuado. Não há nada, no aspecto musical, que sustente a imagem conceitual trabalhada nos visuais: o disco soa mais raso que uma piscina inflável infantil, reduzido a uma representação de pop fabricado sob a lógica de uma produção industrial, carente de substância e personalidade. O resultado é um conjunto de músicas que beira o completo vazio artístico.

O álbum não apenas deixa de refletir sua concepção visual e estética, como tampouco consegue transmitir qualquer sensação: há quase ausência total de referências, restando apenas a elaboração formulaica mais superficial possível da música pop, com os mesmos vocais, os mesmos timbres instrumentais, que se repetem exaustivamente, inclusive quando o ritmo sofre variações devido ao fato de conter acenos a diferentes estilos, só acenos mesmo, pois Taylor parece incapaz de sair da sua zona de conforto.

Haveria de dizer que The Life of a Showgirl falha em cumprir sua proposta, mas, na verdade, o disco é bastante exitoso em expor “a vida de uma showgirl”, não de uma garota qualquer, mas da própria Taylor Swift em sua fase atual. Trata-se de um retrato fiel da mente de uma artista moldada e marcada pela fama proporcionada pela indústria: no caso, uma mulher bilionária que conquistou o mundo e que, agora, parece padecer de um certo complexo de superioridade.

As faixas que falam mais diretamente sobre sua relação com seus colegas dentro da indústria fonográfica e com o público na Internet parecem manifestar uma fragilidade de Taylor que, insegura quando confrontada por críticas, toma uma posição arrogante, um tom de superioridade, para se blindar dos comentários negativos. Essa perspectiva poderia, em teoria, ser interessante, ao expor de forma sincera as inseguranças da cantora em um meio frequentemente alienante, algo próximo ao que Charli xcx realizou em BRAT, em faixas como “Sympathy Is a Knife” (a quem, inclusive, uma das músicas de The Life of a Showgirl seria supostamente direcionada). No entanto, nada do que Taylor manifesta aqui soa genuíno: os temas são tratados de maneira absurdamente superficial, sustentados por composições dolorosamente literais, que mais lembram textos escritos por uma adolescente de 14 anos em crise de idade.

Actually Romantic” é a representação perfeita dessa descrição. Concebida como se fosse uma resposta direta a Charli xcx e a já citada “Sympathy Is A Knife”, a faixa mostra Taylor adotando um tom ácido e sarcástico que soa constrangedor pela maneira forçada com que impõe uma atmosfera sombria. As guitarras, usadas para criar tensão, e as baterias que se inclinam para um rock fajuto, pensadas como imponentes, soam sem a energia pretendida e muito genéricas, além da composição ter uma superficialidade dolorosa que a torna absurdamente infantil. Trata-se também de um retrato da alienação que a própria posição de Taylor dentro da indústria lhe provocou. É uma situação deplorável, em que a cantora parece incapaz de interpretar qualquer crítica que não seja bajulação absurda como algo além de mero discurso de ódio. Se a faixa for, de fato, uma resposta a Charli xcx – mesmo com Swift negando publicamente –, é evidente que ela dialoga com símbolos criados pela própria fanbase da cantora, interessados em alimentar drama na imagem pública de ambas. Ainda assim, a resposta revela uma leitura equivocada do que “Sympathy Is A Knife” representa: uma faixa marcada pela sinceridade de suas inseguranças, jamais destinada a vilanizar Taylor Swift. “Actually Romantic”, por outro lado, distorce essa vulnerabilidade e a converte em hostilidade.

Com o lançamento de THE TORTURED POETS DEPARTMENT, que já representava um nível abismal de falta de criatividade, marcado por um disco preguiçoso, muitos acreditaram que a cantora havia atingido um ponto baixo insuperável em sua carreira. The Life of a Showgirl, porém, consegue ficar muito abaixo de qualquer expectativa razoável para uma artista da magnitude de Taylor Swift. O álbum é uma coleção de faixas deploráveis, não apenas mal escritas, mas sustentadas por discursos vergonhosos. O único acerto, pra não parecer injusto, é que este disco acerta em oferecer um vislumbre dos bastidores da “showgirl” Taylor Swift. Mas é justamente aí que reside o problema central: a obra escancara o quanto a artista se tornou uma figura patética, absorta pela própria trajetória de sucesso em níveis extremos, a ponto de perder completamente a capacidade de transformar sua experiência em arte significativa.

Selo: Republic
Formato: LP
Gênero: Pop

Davi Bittencourt

Davi Bittencourt, nascido na capital do Rio de Janeiro em 2006, estudante de direito, contribuo como redator para os sites Aquele Tuim e SoundX. No Aquele Tuim, faço parte das curadorias de Música do Leste e Sudeste Asiático, Pop e R&B.

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