O que o Festival Novas Frequências propõe sobre a música experimental hoje?


15ª edição do festival traz ao Brasil nomes como Los Thuthanaka e Sarah Davachi, além de reafirmar artistas como Metá Metá, Papangu e Marina Mello como vozes indispensáveis da vanguarda musical brasileira contemporânea.

Celebrar quinze anos pode parecer um gesto de consagração, mas, para o Novas Frequências, soa mais como um retorno à própria pergunta que o originou: o que ainda pode ser chamado de experimental? De 3 a 13 de dezembro, o festival, que nasceu no Rio de Janeiro e, pela primeira vez, expandido oficialmente a São Paulo, faz do seu aniversário uma das maiores celebrações de música experimental no mundo.

O line-up, que reúne 28 atrações de diferentes continentes e linguagens, funciona como uma lista coletiva sobre o estado da escuta contemporânea de música de vanguarda. Um dos grandes destaques é a brasileira Marina Mello, harpista radicada em Zurique e que este ano lançou o disco Deságua, cuja delicadeza flui como as ideias temáticas que o atravessam, em que cada faixa se comporta como um rio correndo em busca do oceano, a mãe maior de todas as águas.



Leia nossa crítica de Deságua, de Marina Mello.




Kara-Lis Coverdale, Sarah Davachi e Concepción Huerta formam um eixo de introspecção e transcendência eletroacústica, percorrendo gêneros como drone e pós-minimalismo. São compositoras que recuperam o valor da lentidão e da textura – o disco de Sarah Davachi lançado ano passado, The Head as Form'd in the Crier's Choir, foi eleito um dos melhores de 2024 em nossas listas de fim de ano. Na direção oposta, o retorno do Wolf Eyes ao Brasil, depois de mais de uma década, reafirma o ruído e o caos como forças vitais de avanços estéticos em terrenos mais comuns, o que nos lembra, diretamente, o fato de o desconforto ainda ser uma forma de sensibilidade.



Leia nossa crítica do álbum The Head As Form'd In The Crier's Choi, de Sarah Davachi.



O festival, no entanto, não se contenta em reafirmar o experimental como um nicho, um estilo distante do alcance do público geral. Ao reunir as criações de Test & Deafkids, Birushanah, Papangu e Metá Metá, é como se propusesse dissolver as fronteiras entre gêneros e performance sonora, meio do qual esses nomes se efetivam entre o ouvinte, unindo todos sob uma só linguagem, o que de certa forma funciona como catalisador, e amplifica o público alvo: todos são bem-vindos. É um gesto que espelha o próprio percurso do evento, que desde 2011 vem fazendo da experimentação não um gênero, mas uma forma de se relacionar com o mundo, um diálogo constante que se mistura à cidade, à ecologia e às tensões políticas do presente.

Essa perspectiva se torna ainda mais clara nas participações que atravessam geografias e tradições: o duo Praed injeta um techno árabe psicodélico, Los Thuthanaka, que lançou um dos melhores e mais importantes discos desta década – sem exageros – misturam pulsos andinos com eletrônica digital sob o que chamam por aí de sound collage, e Faizal Mostrixxx, de Uganda, transforma a lógica club em ritual de reconstrução, termo do qual diante de tantas tragédias climáticas e guerras, se faz cada vez mais presente. Há algo de profundamente político nesse tipo de curadoria, algo que falta nos grandes festivais. Há, sobretudo, uma visão dialógica da forma como o som – a música como produto – chega aos nossos ouvidos.



Leia nossa crítica do disco Los Thuthanaka.



Trata-se de um projeto que, há quinze anos, habita e ocupa lugares inusitados como igrejas, galpões, museus, escolas e ruas, empregando noções como a de uma curadoria que não separa arte e território. O espaço físico (que transitamos, usamos no cotidiano) é também um dispositivo de escuta.

Mas talvez o aspecto mais contundente desta edição seja o contexto em que ela se realiza: sem patrocínio, sustentada pela parceria das instituições e pela colaboração dos artistas. Num cenário em que a música experimental é empurrada às margens pela lógica do número e da rentabilidade, essencialmente pela atual dinâmica do streaming, o Novas Frequências insiste no risco como condição de existência, como forma de ainda valorizar a criação marginal. A fala do diretor e curador Chico Dub resume essa colocação:

No pós-pandemia, o espaço para o novo e para o experimental tem encolhido vertiginosamente em meio à cultura dos números. Vivemos um tempo em que só o que é gigante parece ter valor, e tudo o que se relaciona com menos público — como festivais de nicho e cenas independentes — passa a ser tratado como irrelevante. É bastante frustrante celebrar 15 anos sem apoios significativos, mas sigo acreditando que apostar nesse tipo de prática, ainda mais em um mundo plastificado, saturado por fórmulas e pela proliferação de simulacros insossos gerados por inteligência artificial, nunca foi tão urgente. O Novas Frequências chega a essa marca reafirmando a importância de cultivar o risco, a invenção e o novo como condição de futuro.


É por isso que o Aquele Tuim enxerga no Novas Frequências um modelo curatorial indispensável, não apenas dentro da cena brasileira de música experimental, mas como referência para pensar o som contemporâneo em toda a sua diversidade mundo afora. O festival se afirma a partir do fazer artístico que mantém viva a pulsação dessa comunidade criativa e de quem a acompanha.

E, se você está lendo este texto, um leitor que compartilha conosco o interesse pela música alternativa e experimental, queremos ver você lá, prestigiando os artistas e as sonoridades que tanto discutimos por aqui.




Confira o line up completo clicando aqui.
Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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