Crítica | FETICHE


★★★★☆
4/5

Quando lançou seu álbum FETICHEeleito por nós um dos piores do ano passado —, Baco Exu do Blues gerou uma enorme discussão sobre o universo das parafilias e como isso poderia ser representado (ou apenas exposto) na música. Um comentário chamou atenção no Twitter, em que um usuário dizia: “Imagina lançar um álbum chamado FETICHE e não fazer nenhuma menção a fisting, mijo, scat, pés e etc.”, criticando a superficialidade temática com que Baco estruturou todo o seu material – que pode ser visto, facilmente, como o completo oposto do que MAKHNO faz em seu novo disco, também intitulado FETICHE.

Aqui, há fetiche de verdade. Os temas são completamente desnudos em sua proposta de representar o fetichismo sob uma perspectiva até bastante butleriana, expondo, sobretudo, as tópicas normativas do desejo — um fragmento que adquire um apelo que vai além do carnal ou sexual, funcionando também como oposição às normas. É claro que MAKHNO não faz isso apenas por não temer explorar o que muitas vezes é dito como absurdo, ou porque o espaço em que está inserido o permite. Ele imprime, de forma substancial, sua impetuosidade frente ao próprio funk, que desde CAOS vem assumindo um sentido cada vez mais confrontador.

E o funk é o espaço perfeito para essa libertação — esse expurgo temático do fetiche. Cada vez mais, principalmente no funk de BH, surgem menções a sexo anal e outras posições ou práticas ‘globalizadoras’, amplas, que todos podem praticar entre quatro paredes e que preenchem uma ficha extensa de hedonismo. MIMOSA é outro exemplo de como essa perspectiva de sexualidade essencialmente anti-heteronormativa tem ganhado espaço — e, sobretudo, adesão — dentro do funk. Por isso, não é estranho ver MAKHNO agir com certa incisividade nos temas, nas letras – mais do que no som –, que aqui independe dos beats e dos estilos mais comuns do gênero, ainda mais no contexto paulista em que o produtor se insere. Diante disso, brilha o festival de versos que beiram o ultrajante, como em “BUCETINHA”, com YÜKI:

Com tudo o que eu faço esse putinho se assanha, enforco com a xereca e ele geme igual piranha / Nunca comeu uma xota, vem que eu te ensino as manha, implora pra eu comer seu cu e depois implora pela xana


Ou então, em “Bombeiro” (“Fumando pela pica no meio do baile / Parece um bombeiro desorientado”) e “ESCREMENTO” (“Tenho fetiche em glândulas pré-menstruais / Que cresce da novinha parecendo um excremento”). Em todo caso, a impressão que fica é que MAKHNO está muito mais interessado em desnortear o ouvinte do que qualquer outra coisa. Embora suas produções já investissem em fragmentos de música eletrônica numa lógica mais experimental de composição, a partir de ruídos e fragmentos vocais que se dispersam na confusão sonora proposital, aqui, som e letras triplicam esse efeito.

Em “LIXA X PÉ”, com NCCO e YÜKI, há uma inversão de estruturas, batidas e sons que emprega arranhões industriais e socos com texturas metálicas muito próximas das assinaturas de NCCO. É um dos pontos altos do trabalho por conseguir fundir esses elementos sob a perspectiva do foot fetish: “Não vai me dar a buceta, hoje eu não vou penetrar / Eu gosto de xereca e de um pé bem gozadinho”.

No emaranhado de estéticas e narrativas tabu, há ainda menção ao scat em “SCAT”, com o resquício do tambor carioca, e um acelero completo dos BPMs em “ORGIA SINISTRA”, cujos versos apontam para um dos picos de tesão por serem também mais próximos do que já se vê no funk: “Piranha safada, a tropa vai te botar / Orgia sinistra no baile vai te deixar / Molhada e cheia, lotada de esperma”. Esse ponto mais relacionável, bem generalista, porém, está longe de nos preparar para “BOTA NELA”, uma peça que só funciona por ser inaudível – o que diz muito sobre tudo o que FETICHE propõe. O sinal sexual aqui é justamente esse clima disfuncional, confuso, ruidoso e caótico que MAKHNO cria.

Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Funk / Experimental

Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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